29.7.07

 
"Vidas a prazo"

Um artigo no Expresso sobre os "recibos verdes" (subtitulo: "Retrato de um universo onde só há «flexi» e nenhuma «segurança»"). Infelizmente, tanto quanto se pode ler na edicao na internet, nao ha qualquer referencia 'a relacao entre a rigidez da cessacao dos contratos permanentes e o numero de "contratos precarios" ou 'a segmentacao do mercado de trabalho. Alias, a analise do contexto limita-se a um paragrafo onde se referem algumas estatisticas do mercado de trabalho do INE e se assume que todos os contratados a termos se enquadram em "recibos verdes" - alem de algumas declaracoes de Garcia Pereira sobre "dumping social"...

Nao e' muito animador ver que o semanario supostamente de "referencia" de Portugal se limita a referir casos paticulares de um problema serio em Portugal, sem procurar compreender quais as origens do problema nem abordar possiveis solucoes. Nao e' animador, nem em termos da qualidade do jornalismo em Portugal, nem em termos do debate publico que e' necessario fazer para passar do mercado de trabalho que temos - que promove desigualdade e ineficiencia - para outro modelo que procure ultrapassar estes constrangimentos.

23.7.07

 
Forte candidato ao Premio "Tirada demagogica de 2007"

"Se os despedimentos não fossem flexíveis, não tínhamos quase 500 mil desempregados!"

Quem foi o autor? Talvez Carvalho da Silva, na defesa da sua tese de doutoramento em Sociologia no ISCTE? Ou um dirigente do PCP ou do BE? Nao, o autor foi Bagao Felix, ex-ministro das Financas e do Emprego, indicado pelo CDS-PP, na sua entrevista publicada ontem no Diario de Noticias...

Percebe-se assim melhor como o Codigo de Trabalho de 2003, quando o Ministerio do Emprego era liderado por Bagao Felix, foi um grande nao-acontecimento, nomeadamente na area da "proteccao" do emprego. Embora desde pelo menos o principio dos anos 90 que Portugal apareca sistematicamente como dos paises do mundo com a legislacao do trabalho mais restritiva (pelo menos no dominio da cessacao dos contratos de trabalho permanentes).

A conclusao a tirar parece ser que a ideia que restringir despedimentos tambem dificulta as contratacoes ainda nao foi assimilada por muitos. Mesmo que variadissimos estudos tenham demostrado a correlacao forte entre a EPL (o acronimo em ingles para "legislacao de proteccao do emprego") e o desemprego de longa duracao. Alem de efeitos perniciosos em termos da segmentacao do mercado de trabalho (leia-se, "recibos verdes") e de ineficiencia (baixos niveis de formacao profissional e as pessoas colocadas em "prateleiras" ou com reformas antecipadas).

13.7.07

 
Aumento da idade da reforma reduz recrutamentos

Um estudo da minha autoria, conjuntamente com Alvaro Novo e Pedro Portugal, publicado esta semana pelo Banco de Portugal, chega a esta conclusao. A fonte da evidencia e' o aumento da idade de reforma para as mulheres que ocorreu em Portugal em 1993, na altura de 62 anos, para os actuais 65 anos. Comparando a situacao de empresas que empregavam mulheres que passaram a ter que reformar-se mais tarde com empresas que nao empregavam mulheres dessas idades, e' possivel avaliar o efeito do aumento da idade de reforma. Se, por exemplo, a idade de reforma aumentasse simultaneamente para todos os trabalhadores, entao seria mais dificil encontrar um "contrafactual" (grupo de controlo) para fazer a comparacao e avaliar o efeito.

Esta reducao dos recrutamentos pelas empresas (alem de uma ligeira reducao dos seus desempenhos, em termos de produtividade) como consequencia do aumento da idade de reforma sera eventualmente um resultado previsivel para muitos, mas (tanto quanto sabemos) nunca demonstrada com rigor, nem para Portugal, nem para qualquer outro pais. No entanto, agora que as mudancas demograficas tornam a transicao de saida da vida activa cada vez mais importante, e' necessario conhecer como criar os melhores incentivos para a permanencia no mercado de trabalho, dados os conhecidos problemas de sustentabilidade da seguranca social.

 
"Muitos alunos não entendem aquilo que lêem" - Publico, de hoje

Segundo o Publico de hoje, "Dos 96 mil alunos que fizeram o exame de Matemática do 9.º ano, 24.600 não tiveram mais do que um valor (escala de 1 a 5). No conjunto, 72,8 por cento tiveram negativa na prova. É o pior resultado em três anos de exames." Uma professora correctora de exames diz que acha que muitos alunos nem sequer percebem os enunciados.

Por outro lado, nos exames de Matematica do 12o ano, "pela primeira vez, a média dos alunos internos [foi] superior a 10." No entanto, Nuno Crato, da direccao da SPM, diz que "O Ministério da Educação não tem sido capaz de fazer exames comparáveis de ano para ano." A SPM tambem alerta que, "com exames apenas no 9.º ano, as deficiências estão a ser postas a nu tarde demais".

Esta evidencia, sobretudo a do 9.o ano - mais comparavel com anos anteriores, segundo o artigo - sugere que as reformas introduzidas nos ultimos dois anos nao estao a resultar. Evidentemente, o resultado era ambiguo 'a partida: por um lado, varias iniciativas abriam perspectivas de melhorias no panorama entristecedor do sistema educativo portugues; por outro lado, a atitude depreciativa do Ministerio em relacao aos professores que, correcta ou incorrectamente passou para a opiniao publica, obviamente enfraquecia quaisquer eventuais impactos positivos dessas outras iniciativas. Aguardemos pelos resultados de 2007/08, esperando que o Ministerio nao ceda 'a tentacao de inflacionar notas - ou descontinuar os exames...

Noutra noticia do Publico de hoje, "Notas dos alunos vão ser decisivas na avaliação", e' referido que "cada docente terá de elaborar uma ficha de auto-avaliação, especificando as notas que deu aos seus alunos, a diferença para os resultados que os mesmos obtiveram em exames ou provas de aferição e a comparação com a média de classificações dos estudantes do mesmo ano de escolaridade e disciplina, na sua escola.

Enquanto que a comparacao das notas interna e externa em principio sera' informativa, a comparacao das notas de professores na mesma escola e' perigosa. Convem nao esquecer que, mesmo dentro da mesma escola, pode haver alunos muito diferentes em termos da sua capacidade de aprendizagem. Nesses casos, pode tambem haver (ou passar a haver) seleccao dos alunos por turma/por professor, implicando que diferencas dos resultados dos alunos de cada turma nao correspondem necessariamente a qualquer diferenca em termos da dedicacao dos seus professores - aquilo que, suponho, se quer medir.

Alem disso, diferenciando as remuneracoes/promocoes por professor dentro de cada escola, esta-se tambem a contribuir para a diminuicao da colaboracao entre os mesmos. A entreajuda entre colegas e' desincentivada porque um bom resultado do professor X implica necessariamente um resultado menos bom para o professor Y. O Ministerio faz bem em querer mudar nas coisas da educacao, que ha muito andavam estagnadas - mas e' preciso pensar estas mudancas com alguma profundidade, para nao arriscar que o sistema fique ainda pior.

2.7.07

 
Flexiguranca tambem na agenda da presidencia portuguesa da UE

Lista de prioridades na area do emprego e assuntos sociais da' destaque ao tema da flexiguranca. A acompanhar, para alem da retorica.



 
Revisao da legislacao laboral - finalmente?!

Quando Sir Humphrey Appleby, paladino do status-quo, queria dissuadir o Ministro (depois Primeiro-Ministro) Jim Hacker de implementar uma determinada politica, Humphrey apelidava-a de "corajosa". Esperemos que, agora, em Portugal, nao haja retrocessos em relacao 'as sugestoes - que muitos tambem qualificarao de corajosas - manifestadas pela Comissao do Livro Branco das Relacoes Laborais em simplificar a legislacao laboral portuguesa (relatorio de progresso).

Vale a pena dedicar um ou dois minutos a ler o que a lei portuguesa determina para um processo de despedimento com justa causa - o que tambem explica porque a legislacao de proteccao de emprego em Portugal, no dominio dos despedimentos individuais, e' das mais restritivas do mundo. Segue-se o artigo 10. do Decreto-Lei 64/89, paradoxalmente a "lei dos despedimentos", na giria da altura, basicamente inalterada com o Codigo de Trabalho de 2003.



Nao e' dificil perceber que uma legislacao desta natureza impoe grandes restricoes ao despedimento e, por consequencia, tambem 'a contratacao. O que provavelmente contribui para explicar 1) as causas da elevada percentagem de desemprego de longa-duracao em Portugal (cerca de 20%) e, sobretudo, 2) os elevados niveis de segmentacao do mercado de trabalho, nomeadamente atraves de contratos a prazo e recibos verdes.

(Um estudo recente que desenvolvi apresenta evidencia consistente com esta assimetria. Grande parte do ajustamento dos salarios em periodos de recessao economica vem precisamente dos mais jovens, enquanto os salarios dos mais velhos, em principio aqueles que beneficiam de maior proteccao pela legislacao laboral, nao se ajustam de acordo com o ciclo macroeconomico.)

No fundo, o drama do mercado de trabalho portugues e' querer-se obter pela lei algo que sera desejavel mas que infelizmente e' incompativel com o nivel de desenvolvimento economico do pais: seguranca do emprego para todos. O resultado acaba por ser a segmentacao e a consequente desigualdade, alem de ineficiencia. Esperemos que os Humphrey Applebies de Portugal nao voltem a ser vitoriosos...


This page is powered by Blogger. Isn't yours?