30.12.14

 

"Reformar sem medo"


Como foi liderado o super-ministério da economia e do emprego durante os dois anos mais dramáticos da democracia portuguesa (2011-13) desde o PREC? De que maneira foram implementadas mais de dois terços das medidas do programa de ajustamento durante esse período? Qual o impacto das várias reformas estruturais e o que falta ainda fazer para que Portugal recupere o tempo perdido da última década e acelere a atual trajetória de crescimento sustentável?

Estas são algumas das questões que Álvaro Santos Pereira (ASP) discute em detalhe em "Reformar sem medo", um contributo essencial tanto para avaliar o trabalho do XIX governo como para compreender os desafios de Portugal. É também uma obra muito útil para compreender melhor a democracia portuguesa, em termos do desenrolar do processo legislativo, das "articulações" entre diferentes membros do governo e as suas entidades tuteladas, bem como a interação entre o governo e a troika.

Apesar da profundidade dos temas abordados, "Reformar sem medo" é um livro escrito de forma acessível, com uma linguagem muito oral até. Não deixa, no entanto, de ser rigoroso em termos da explicação das principais medidas de que ASP foi responsável nas suas múltiplas áreas de governação - desenvolvimento regional, fundos estruturais, emprego, concertação social, inovação, obras públicas, transportes, regulação, energia e turismo.

Tendo tido o privilégio de colaborar com ASP como secretário de Estado do Emprego entre junho de 2011 e fevereiro de 2013, posso confirmar a sua enorme capacidade de trabalho na liderança do Ministério da Economia e do Emprego (MEE).  Além disso, como resulta também da leitura do livro, os seus contributos alargados para a causa pública - desenvolvidos de uma forma esclarecida e orientada para resultados práticos - posicionam-no como um dos principais governantes portugueses das últimas décadas. 

Em todo o caso, esta focagem no substantitvo em detrimento do superficial teve obviamente impacto político, dado o contraste com práticas anteriores. ASP dá nota de alguma frustação em relação a uma comunicação social nacional muitas vezes mais interessada em "sound bytes" e personalidades do que em perceber e reportar os desafios da economia e as melhores medidas para os resolver. Uma situação agravada por alguma permeabilidade dessa mesma comunicação social em relação tanto a grupos de interesse enfrentados pelo próprio ASP como a lutas de poder várias. ASP destaca também o relativo esquecimento a que o episódio da crise política de julho de 2013 tem sido votado no debate público, em contraste com a enorme incerteza que essa situação provocou, nomeadamente em termos do desfecho do programa de ajustamento.

Em todo o caso, e felizmente para Portugal, ASP congregou a capacidade intelectual de compreender a situação económica portuguesa em 2011, até pela perspetiva histórica da sua investigação académica, com uma energia enorme para a concretização de um programa extremamente ambicioso de reformas estruturais. Note-se que estas reformas incluiram tanto aquelas com que Portugal se obrigou internacionalmente via programa de ajustamento, como várias outras, como o financiamento das empresas, o licenciamento zero, a reindustrialização, a aprendizagem dual, os incentivos ao empreendedorismo, ou o relançamento do serviço público de emprego, desenvolvidas independentemente pelo próprio ASP e pela sua equipa no MEE.

Apesar de ter grande admiração por ASP e concordar com a grande maioria das suas perspetivas, devo também referir que, naturalmente, não acompanhei as suas ideias em todos os temas do nosso trabalho conjunto. Na verdade, esta diferença de visões incidiu quase exclusivamente na prioridade que ASP atribuiu à concertação social. 

Embora eu próprio me tenha empenhado na celebração de um dos principais trunfos políticos para o governo em 2012, o acordo tripartido celebrado em janeiro desse ano, verifiquei em primeira mão que a concertação social em Portugal padece de problemas muito pronunciados, nomeadamente em termos da sua representatividade. Efetivamente, são muito poucos os trabalhadores portugueses do setor privado que estão filiados num sindicato; é também reduzida a percentagem das empresas no país que são filiadas numa associação patronal. Mais significativo ainda, os perfis e interesses dos representados - tanto trabalhadores como empresas - tendem a ser muito diferentes de todos os outros que não têm voz em concertação social.

Assim, a concertação social acaba por tornar-se atualmente num mecanismo de desigualdade, segmentação e até desemprego mais do que propriamente num fator de coesão social. É um problema sério, uma vez que dificulta a emergência de soluções sustentáveis e endógenas para os desafios do emprego, da formação profissional, da contratação coletiva ou da segurança social. Na verdade, sem mudanças muito pronunciadas na representatividade dos parceiros sociais ou na atitude governamental em relação a estes parceiros (veja-se a atitude de Renzi), só com a pressão de entidades internacionais se conseguirão dar mais passos significativos na modernização destas áreas da governação, na sequência do sucesso das reformas laborais de 2011-2013.

Apesar da nossa diferença de perspetivas neste ponto específico, concluo sublinhando os muitos sucessos de ASP no seu trabalho governativo, claramente explanados no seu livro. Aliás, interrogo-me quanto outros governantes em Portugal poderiam escrever livros semelhantes (quantos o fizeram?). É um facto que merece particular destaque até porque, com outras pessoas, o imenso poder - e responsabilidade - que lhe foi confiado em 2011 facilmente poderia levar a resultados muito diferentes. 

Outro político que não ASP provavelmente orientaria a sua atividade política para o discurso de circunstância, para o "tick-the-box" superficial, para as leis de bases esquecidas no mesmo momento em que são publicadas, para as medidas simpáticas para os grupos económicos bem ligados na comunicação social mas não representativos dos interesses da maioria dos portugueses. Pelo contrário, ASP desenvolveu um intenso, corajoso e esclarecido trabalho governativo efetivamente promotor da recuperação sustentável da economia e da consequente melhoria dos níveis de vida dos portugueses que já estamos atualmente a observar.

15.12.14

 

O Banco de Portugal e a recuperação do emprego


O Banco de Portugal, no seu Boletim Económico divulgado este mês, publicou uma breve análise da evolução recente do emprego no país. As três páginas do estudo debruçam-se sobre vários assuntos, como a evolução do emprego por conta de outrem e por conta própria, as medidas ativas de emprego e os estágios profissionais, o número de funcionários públicos, a evolução previsível do emprego em função do crescimento económico, e as estatísticas do INE, do IISS, do IEFP, e da DGAEP. 

De forma significativa, a análise conclui que as estatísticas oficiais do INE estão a sobre-estimar a recuperação do emprego. A análise tambem sugere que cerca de um terço desta recuperação se deve às medidas ativas de emprego e que estas novas estimativas da recuperação do emprego que o BdP já serão consistentes com a evolução da atividade económica.

Dada a relevância do assunto, deixo aqui alguns comentários:

1. Provavelmente o INE e ou o Eurostat irão pronunciar-se sobre este tema, na medida em que o BdP indica que as estatísticas do INE, enquadradas na metodologia do Eurostat, não estão a capturar a verdadeira evolução do mercado de trabalho. Parece-me um assunto da maior importância, até em termos das suas implicações junto das estatísticas produzidas por outros países.

2. A explicação técnica da “sobre-estimação” do crescimento do emprego passa pelo refrescamento das amostras das novas rotações do Inquérito ao Emprego, baseadas nos Censos de 2011 a partir do 3.o trimestre de 2013. Admitindo que este refrescamento induz um ajustamento “artificial” no sentido de uma recuperação mais pronunciada do emprego, então será necessário admitir também uma perspetiva simétrica sobre este assunto, nomeadamente que o emprego terá caído mais até ao 3.o trimestre de 2013 do que aconteceria com uma amostra mais atualizada também nesses trimestres. Por outras palavras, o emprego terá tambem caído menos ao longo dos anos anteriores (entre 2011 e 2013, por exemplo) do que o referido pelas estatísticas oficiais – e não apenas aumentado menos desde 2013.

3. O sucesso das medidas ativas de emprego (e dos estágios em particular) depende em muito do interesse da parte das empresas em alargar os seus quadros de pessoal, tanto no curto prazo como num período mais longo, o que por sua vez está obviamente ligado à sua situação económica. O sucesso destas medidas depende também do destaque e operacionalização que elas recebem em termos da política de emprego de cada país – veja-se, por exemplo, a grande importância e sucesso destas medidas no caso da Dinamarca. Surpreende, assim, que o BdP desvalorize o emprego relacionado com medidas ativas de emprego, aparentemente assumindo que ele é inteiramente artificial, apesar dos estudos rigorosos que apontam importantes efeitos de empregabilidade, inclusive no caso português.

4. O BdP argumenta que a “nova” variação do emprego já é consistente com a variação observada na actividade económica, sugerindo que não houve mudança estrutural significativa na economia, nomeadamente em termos de uma maior capacidade de produzir emprego para um dado nível de recuperação económica. No entanto, na verdade, mesmo os novos valores de crescimento do emprego indicados pelo BdP continuam a ser mais elevados do que os previstos, dadas as estimativas sobre esta relação e o ainda baixo crescimento económico de 2013 e 2014.

Em conclusão, Portugal continua a precisar de análises rigorosas sobre a sua economia e o BdP será seguramente a entidade nacional melhor apetrechada para as conduzir. Infelizmente, penso que neste caso, como em outros assuntos no passado – nas questões do endividamento nacional, do financiamento das empresas ou da flexibilidade dos salários – a análise do BdP não contribuiu para esclarecer rigorosamente a opinião pública nem para dotar os decisores públicos da informação mais adequada.


1.12.14

 

A descentralização da negociação coletiva em Portugal


("Sectoral agreements" corresponde a contratos coletivos de trabalho; "Firm agreements" corresponde a acordos coletivos de trabalho e acordos de emprego; "Extensions" corresponde a Portarias de extensão; Fonte: DGERT e GEE.)

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