23.3.14
Combate ao desemprego é prioritário
É importante discutir, com serenidade e rigor, os principais
argumentos invocados pelos defensores do aumento do salário mínimo (SM):
1. O aumento do SM estimula a procura interna, uma vez que os trabalhadores afectados iriam ganhar e gastar mais. Sendo isto verdade para alguns trabalhadores, há também outras situações a considerar. Primeiro, aqueles que perdem os empregos porque o novo SM deixa de ser comportável para os seus empregadores. Segundo, aqueles que estão desempregados e seriam contratados ao SM actual mas não a um SM mais elevado. Em termos globais, os efeitos negativos tanto em termos de procura interna como de capacidade produtiva dos empregos e salários perdidos são muito superiores aos efeitos positivos daqueles que passam a ganhar mais.
2. Os parceiros sociais apoiam o aumento do SM, o que implica que esse aumento seria positivo tanto para as empresas como para os trabalhadores. Aqui importa ter presente os níveis baixos de representatividade dos parceiros sociais. Por exemplo, segundo o Banco de Portugal, apenas 11% dos trabalhadores do setor privado são filiados num sindicato. Em geral, são trabalhadores com contratos permanentes, remunerações elevadas e em setores com pouca concorrência. Por outro lado, as associações patronais tendem a representar grandes empresas que já praticam remunerações superiores ao SM. Para estas entidades, o aumento do SM é uma forma de reduzir a concorrência a que estão sujeitas, sem custos diretos. Além disso, nem o lado patronal nem o lado sindical representa os desempregados.
3. O SM é muito baixo. Sendo esta afirmação obviamente verdadeira em termos absolutos, não o é em termos relativos, tanto em termos de percentagem do salário mediano ou comparando o SM português com o de outros países com níveis de rendimento semelhante, como na Europa de Leste.
O salário mínimo é um instrumento de política económica
importante para equilibrar a repartição de rendimentos e eliminar situações de
exploração. No entanto, o elevado nível de desemprego atual impõe grande
cautela em relação a qualquer medida que desencoraje a contratação de trabalhadores.
Importa ter presente os resultados da política de moderação salarial do
Governo, como os 130 mil empregos criados nos últimos três trimestres.
(Publicado no "Público", de 22 de março de 2014)
11.3.14
Crescimento do emprego e reformas laborais
Os 130 mil novos
empregos líquidos criados nos últimos três trimestres têm causado alguma
surpresa junto da opinião pública. Por um lado, este desenvolvimento positivo é
difícil de conciliar com a perspectiva que a recuperação económica dependia do
estímulo da procura interna, mesmo que esta já tenha estado por muitos anos
alavancada em endividamento crescente. Por outro lado, é um resultado
consistente com a visão que valoriza as reformas estruturais que foram
realizadas, com vista à melhoria do funcionamento dos mercados e ao aumento da
produtividade.
Note-se que a evolução em
2013 do emprego correspondeu aos objectivos da reforma laboral implementada em
2012, nas suas várias dimensões, ao nível da aproximação da legislação laboral aos
modelos europeus como também através da modernização das medidas ativas de
emprego e do reforço da formação profissional. Todas estas vertentes foram
concretizadas de forma a incentivar a manutenção de postos de trabalho
existentes bem como aumentar a contratação de novos trabalhadores,
preferencialmente através de vínculos permanentes.
Uma aspeto específico da
reforma laboral que importa destacar em termos do seu contributo para o emprego
é o novo contexto em que decorre a contratação coletiva. É um aspeto importante
na medida em que um número alargado de relações de trabalho está subordinada a
acordos entre sindicatos e associações de empregadores, incluindo milhares de salários
mínimos para diferentes profissões, antiguidades e regiões. Além disso, até
2011 estes acordos eram praticamente sempre estendidos pelo Governo a empresas
não afiliadas e a trabalhadores não sindicalizados, independentemente da
representatividade das associações patronais ou sindicais.
Com o novo
enquadramento, estas extensões passaram a estar limitadas a associações
patronais com níveis mínimos de representatividade no seu sector. Dadas as
baixas percentagens de empresas filiadas e de trabalhadores inscritos em
sindicatos (11% apenas, de acordo com o Banco de Portugal), estas “portarias de
extensão” viram o seu número cair em cerca de 90% entre 2010 e 2012. Desta
forma, as empresas passaram a ter maior liberdade de estabelecer com os seus
empregados as condições de trabalho mais apropriadas para as suas
circunstâncias específicas, no quadro do Código do Trabalho, sem ter de seguir
os parâmetros preferidos pelas associações patronais (em geral, não representativas).
Esta descentralização da negociação colectiva é também sublinhada pela
estabilidade da contratação coletiva ao nível da empresa, em contraste com a quebra
dos acordos setoriais.
Trata-se de uma mudança
estrutural que permitiu evitar que o ajustamento à crise actual e às medidas de
austeridade envolvesse mais desemprego, falências ou emigração. Este novo
enquadramento permitiu também acelerar a recuperação do mercado de trabalho, nomeadamente
através do crescimento do número de contratações a que se assiste nos últimos
trimestres. Tão ou mais relevante que discutir se Portugal quer seguir modelos
de salários baixos ou (obviamente) altos deve ser comparar as vantagens e
desvantagens de modelos de salários rígidos ou flexíveis, para evitar o
ajustamento via desemprego.
Nesse sentido, e apesar
do sucesso obtido pelas reformas já implementadas, é importante considerar
novas iniciativas que possam reforçar o crescimento do emprego, com o
consequente impacto ao nível da promoção do crescimento e do combate à
desigualdade. Algumas medidas implementadas em Espanha em 2012 têm interesse,
apesar do desempenho do mercado de trabalho em Portugal ter sido muito superior
mesmo num contexto de mais austeridade. Um exemplo é a introdução da
possibilidade de exclusão de convenções coletivas ou portarias de extensão já emitidas,
nomeadamente por empresas a atravessar dificuldades económicas. Outro exemplo é
a promoção de novos contratos colectivos, ajustados às realidades atuais e mais
amigos da criação de emprego, através da aceleração da caducidade dos contratos
em vigor.
(Publicado no Sol de 7 de março de 2014)
Desemprego estrutural: entrevista ao Diário Económico
1 – O desemprego estrutural atingiu 11,7% da população activa em 2013, segundo os números apresentados pelo Banco de Portugal. Que tipo de pessoas se encontra em situação de desemprego estrutural (novos, velhos, com baixa qualificação, com alta)?
O desempregado estrutural envolve todos aqueles desempregados cujas qualificações, experiência profissional, região de residência, etc, torna difícil o regresso pleno ao mercado de trabalho mesmo em períodos em que a economia recomeça a crescer.
Dada a mudança gradual no perfil da economia portuguesa, mais direcionada aos mercados internacionais e menos ao mercado interno, o desemprego estrutural cresce sobretudo entre trabalhadores com qualificações baixas e que perderam empregos em setores como a construção civil, comércio, restauração, etc.
Note-se que as estimativas do desemprego estrutural da Comissão Europeia para Portugal são mais altos que os referidos, sendo de 14,7% em 2013. Estes valores elevados magnificam as estimativas do défice público corrigido de efeitos cíclicos, implicando a necessidade de mais medidas de austeridade. Iniciativas recentes de rever a metodologia destas estimativas não tiveram sucesso.
2 – Os sinais positivos que a economia e o mercado de trabalho estão a revelar são suficientes para reduzir o desemprego estrutural?
O crescimento de 130 mil empregos desde o primeiro trimestre de 2013 é muito auspicioso. Por outro lado, o aumento do desemprego nos últimos anos foi muito pronunciado, na sequencia do modelo económico insustentável que Portugal estava a seguir, baseado em estímulos à procura interna através de endividamento internacional.
Este contexto cria um grande desafio às autoridades públicas e à sociedade civil. Mesmo considerando a estimativa mais baixa de desemprego estrutural, é claro que este é um dos maiores problemas que Portugal terá que enfrentar nos próximos anos.
3 – O que deve/pode ser feito pelas empresas e pelo Estado para reduzir o desemprego estrutural?
Seria interessante discutir-se um pacto alargado entre as empresas no sentido do reforço dos seus quadros de pessoal. Se todas as 300 mil empresas portuguesas contratassem mais um trabalhador ao longo de 2014, para além dos seus planos atuais de expansão, o desemprego cairia para metade. O efeito multiplicador desta iniciativa conjunta, ao nivel do crescimento da procura interna e aproveitamento da capacidade não utilizada das empresas, justificaria ex-post uma decisao que ex-ante não seria apropriada do ponto de vista interno de cada empresa.
Ao nível público, para além de iniciativas transversais em termos de modernização económica, é muito importante prosseguir a política de moderação salarial e não intromissão nos mecanismos salariais no setor privado, de forma a não se agravar o desemprego. Exemplos de medidas neste sentido são a manutenção do salário mínimo e as restrições às portarias de extensão. Por outro lado, um enquadramento legislativo mais favorável à modernização da contratação coletiva também seria positivo.
Outro aspeto importantíssimo ao nível público são as medidas ativas de emprego e de aprendizagem ao longo da vida. Por exemplo, o programa Vida Ativa já abrangeu cerca de 500 mil desempregados, em 2012 e 2013, que receberam formação em áreas direcionadas para os setores transacionáveis, em muitos casos seguida de estágios em empresas em expansão. Importa agora avaliar e melhorar continuamente programas como este de forma a garantir os melhores resultados possíveis em termos da resposta pública ao desemprego estrutural, nomeadamente ao nível do Serviço Público de Emprego.
(publicado no Diário Económico de 10 de março de 2014)
O relançamento do Serviço Público de Emprego, dois anos depois
Os
serviços públicos de emprego (SPE) podem desempenhar um papel decisivo no
combate ao desemprego uma vez que são responsáveis por atividades cruciais para
o bom desempenho do mercado de trabalho. Alguns exemplos dessas actividades são
a requalificação de desempregados, o ajustamento entre procura e oferta de
emprego, o acompanhamento da procura ativa por parte de desempregados
subsidiados, ou a administração de medidas de emprego, incluindo as
relacionadas com o mercado social.
Além
disso, em períodos de mudança económica estrutural, como atualmente em
Portugal, importa proporcionar, em tempo útil e em escala alargada,
oportunidades enriquecedoras de aprendizagem ao longo da vida,
preferencialmente direcionadas para os sectores transacionáveis. Sem estas
iniciativas, o desemprego estrutural permanecerá elevado (atualmente está estimado
em cerca de 12%), tornando muito difícil a recuperação económica plena do país.
Veja-se
ainda o caso do modelo laboral da flexisegurança, baseado em flexibilidade nas
contratações e separações conjugada com proteção alargada no desemprego. Neste
modelo, que tanto sucesso tem tido nos países nórdicos, os SPE têm a
responsabilidade de minimizar o “risco moral” associado a subsídios de
desemprego generosos, nomeadamente através de iniciativas de “ativação”. Também
em Portugal, cujas durações do subsídio de desemprego são das mais longas da
Europa, este aspeto é particularmente importante.
Apesar
das várias dificuldades com que o mercado de trabalho em Portugal ainda se
confronta, importa sublinhar – e explicar – a recuperação em curso demonstrada
pelos 130 mil empregos
líquidos criados entre o 1.º e 4.º trimestres de 2013, tão surpreendente para
muitos comentadores.
Além do papel das
medidas no plano da legislação laboral e outras reformas estruturais, importa
sublinhar também a responsabilidade por esta evolução auspiciosa devida à
reforma importante desenvolvida ao nível do Instituto do Emprego e Formação
Profissional (IEFP), o serviço público de emprego português, nomeadamente no
contexto do Programa de Relançamento do Serviço Público de Emprego (Resolução
de Conselho de Ministros n.º 20/2012, de 9 de março de 2012).
Este
programa de reorientação e modernização de uma das principais agências públicas
incluiu oito eixos de ação e cerca de 40 medidas específicas (e calendarizadas).
Tratam-se de eixos e medidas focalizadas na aceleração do ajustamento entre
procura e oferta de emprego, com vista a combater não só o desemprego em geral
mas sobretudo o desemprego de longa duração, associado a maiores custos
individuais e sociais.
As
principais metas do programa - reforço, em 20% e 50%, do número de ofertas e de
colocações – foram ultrapassadas largamente. Por exemplo, o IEFP promoveu 9.415 colocações e obteve
14.359 ofertas de emprego só em janeiro de 2014, contrastando com valores de
4.256 e 6.901, respectivamente, em janeiro de 2012, representando um contributo
claro para o combate ao desemprego em Portugal.
Uma
outra meta do programa prendeu-se com o aumento das convocatórias de
desempregados e dos seus encaminhamentos para ações de formação, nomeadamente
de curta duração e em áreas profissionais. Incluindo outras medidas, o número
de envolvidos em ações desta natureza subiu de 41.085 para 144.445 durante o
mesmo período de dois anos. Trata-se de uma prioridade que contrastou com a
aposta no reconhecimento de competências escolares, promovida pelo anterior
Governo, através dos centros Novas Oportunidades, mas com menor valor
acrescentado em termos de perspectivas de emprego, como indicado por vários
estudos.
Estas
metas resultaram também de várias medidas práticas, de carácter operacional,
tão importantes para o sucesso das organizações no sector público como por
vezes descuradas por parte das suas tutelas políticas ou merecedoras de menor
interesse mediático. Estas medidas incluíram a modernização dos sistemas de
informação, a sistematização das várias medidas de emprego, a avaliação
(interna e externa) dos centros de emprego e formação profissional, e a
reestruturação da rede de centros.
A
título de resultados, por exemplo, esta última vertente, além de ter permitido
a redução de cerca de 150 cargos dirigentes, com uma poupança anual de cerca de
5 milhões de euros em remunerações, melhorou a coordenação das atividades
“gémeas” da área do emprego e da formação e permitiu um melhor ajustamento
entre procura e oferta de emprego em áreas geográficas próximas.