14.9.19

 

Deve o Estado criar mecanismos para limitar as diferenças salariais dentro das empresas?


[Versao alargada do texto publicado hoje no Expresso, caderno principal]

Porque é que, numa economia de mercado, as empresas não pagam exatamente o mesmo salário a todos os seus trabalhadores? A pergunta parece ridícula mas importa colocá-la porque a proposta do PS parece ver este tipo de dispersão salarial como um problema sério – além de assumir que penalizações impostas pelo Estado poderiam melhorar esta situação.

Inúmeros estudos, ao longo das últimas décadas, em Portugal e no estrangeiro, procuraram compreender as diferenças salariais entre trabalhadores. E concluíram, sem grande surpresa, que a distribuição de salários dentro de uma empresa reflete, em grande medida, a distribuição das competências, qualificações e experiência dos seus trabalhadores; que diferentes capacidades são remuneradas a diferentes níveis, refletindo a sua procura e oferta em cada caso; e que a existência de carreiras nas empresas, com remunerações progressivamente mais elevadas, constitui um forte incentivo para o esforço e dedicação dos trabalhadores.

Além disso, nalgumas empresas, as distribuições de competências entre os trabalhadores são muito homogéneas; noutras, em geral nas empresas de maior dimensão, a amplitude de perfis é muito alargada. Sendo assim, porque é que as primeiras empresas devem ser apoiadas e as segundas punidas, como resulta desta proposta?

É fácil antecipar algumas das inúmeras distorções que iriam resultar de uma medida desta natureza. Por exemplo, empresas que contratem trabalhadores mais qualificados, incluindo em áreas tecnológicas e ou emigrantes que queiram regressar a Portugal, irão provavelmente pagar salários mais elevados e assim aumentar a sua desigualdade interna. Faz sentido sujeitar estas empresas a multas ou outras restrições e assim desincentivar a inovação tecnológica ou o regresso dos emigrantes?

Por outro lado, empresas que se reestruturem, substituindo os seus trabalhadores menos qualificados e passando a comprar esses serviços junto de outras empresas, irão reduzir o seu indicador de desigualdade e receber apoios públicos no quadro desta medida. Pretende-se promover o outsourcing, o trabalho independente (“recibos verdes”) e o trabalho temporário? E travar o crescimento das empresas, com todas as dificuldades que daí resultam para o aumento da produtividade?

Cerca de 90% dos trabalhadores por conta de outrem em Portugal são cobertos pela contratação coletiva e portarias de extensão. Assim, os seus salários mínimos já são regulados de acordo com o seu setor de atividade, profissão e categoria profissional. Para além disso, mais de 20% dos trabalhadores recebem o salario mínimo nacional, definido pelo governo depois de ouvidos os parceiros sociais. Mais de 80% dos trabalhadores contratados em 2017 receberam o salário mínimo como o seu primeiro salario. Não será regulação salarial suficiente?

Numa economia de mercado, os preços desempenham um papel fundamental para assegurar que as empresas apostam continuadamente nos bens e serviços que mais interessam aos consumidores. De forma semelhante, a flexibilidade nos mecanismos de determinação dos salários é fundamental para o bom funcionamento do mercado de trabalho. Se queremos efetivamente reduzir as desigualdades salariais – e sobretudo aumentar os rendimentos dos mais pobres – temos que nos focar no aumento da eficiência da economia e dos serviços públicos, nomeadamente na área da educação e formação profissional. Esta proposta do PS é não só um tiro ao lado como contraproducente.

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