22.9.14
Sobre as propostas de António Costa para o Emprego
A moção "MobilizarPortugal", de António Costa, encerra um conjunto de propostas interessantes,
nomeadamente as relacionadas com os temas do emprego. São propostas que merecem
uma discussão aprofundada dada a importância do assunto bem como o potencial
deste documento programático em termos da ação política futura do seu
subscritor.
Infelizmente, esta moção
enferma de vários aspetos negativos, compensados parcialmente por algumas
propostas relevantes. Entre os primeiros aspetos, sobressai a
desresponsabilização da governação Sócrates (com a cumplicidade de Constâncio)
no envolvimento de Portugal na crise das dívidas soberanas. Ao contrário de
Seguro, que não deixa de lançar algumas críticas aos governos PS entre 2005 e
2011, Costa insiste em causas estritamente exógenas para uma crise que acabou
por só atingir três entre os 28 Estados-membros da União Europeia, mesmo sem
que Portugal padecesse dos problemas específicos da Irlanda ou da Grécia.
Ao mesmo tempo, Costa
assume que os portugueses não têm em conta que a maioria dos problemas
financeiros que o atual Governo tem procurado resolver nasceram ou
desenvolveram-se com Sócrates. Estamos a falar de PPPs, rendas energéticas,
dívidas das empresas de transportes, swaps, BPN e BES – bem como de défices
externos recorde, défices públicos de 10% em 2009 e 2010, e crescimentos
económicos anémico mesmo antes da crise.
Pior ainda, Costa repete
as mesmas receitas de voluntarismo e omnipotência das políticas públicas para a
solução dos problemas sociais e económicos do país. Ao repetir estas propostas,
Costa procura ignorar tanto as restrições orçamentais que o Estado enfrenta e
continuará a enfrentar por muitos anos como também a inexistência de propostas
concretas e fundamentadas de melhoria dos serviços públicos.
Outro aspeto negativo é o
estabelecimento da concertação social e da negociação coletiva como um dos
pontos essenciais de um programa de recuperação económica e do emprego. Esta
proposta tem subjacente um erro muito comum, nomeadamente considerar-se que o
número de trabalhadores abrangidos pela negociação coletiva tem diminuido
“drasticamente”. Sendo certo que o número de renovações de convenções coletivas
em 2012 e 2013 foi muito mais baixo que em anos anteriores, o número de
convenções em vigor não tem sofrido praticamente nenhuma alteração. Assim, o
número de trabalhadores abrangidos tem estado também essencialmente inalterado,
ao contrário do que é referido.
Em todo o caso, importa
discutir o nível de centralização mais adequado para a contratação coletiva.
Deve-se apostar em forçar as pequenas e as novas empresas – precisamente aquelas que podem dar um
contributo decisivo à modernização da economia e ao crescimento do emprego
- a seguir as práticas salariais e
outras condições de trabalho das empresas de maior dimensão e já estabelecidas
nos seus mercados? Ou deve-se apostar numa negociação coletiva descentralizada,
em que cada empresa limita-se a definir as suas próprias convenções, de acordo
com as suas perspetivas e interesses específicos, para além do que resulta do
Código do Trabalho?
Ainda outro aspeto
negativo da moção prende-se com a proposta de estabelecer como "valor de
referência" para o salário minimo em 2015 os 522 euros, o que representa
um aumento nominal de 7,6% em relação ao valor atual. Não discutindo as razões
para a formulação ambígua de “valor de referência”, esta proposta denota uma
desconsideração dos efeitos negativos de tal aumento em termos do combate ao
desemprego. Apesar da recuperação do emprego que se tem verificado desde o
início de 2013, o número de portugueses que permanece desempregado continua
muito elevado, nomeadamente entre aqueles menos qualificados. Aumentar o salário
mínimo nestas circunstâncias implica diminuir as ainda reduzidas oportunidades
de integração profissional para centenas de milhares de pessoas. Significa
ainda reduzir não só a procura interna como a própria produção nacional, na
medida em que trava o crescimento do emprego que se tem verificado.
É certo que, como a moção
indica, há consenso entre os parceiros sociais em relação ao aumento do salário
minimo. No entanto, a perspetiva das confederações patronais e sindicais
resulta da baixa representatividade destes, muito orientada tanto para empresas
e trabalhadores que já pagam ou recebem na sua grande maioria salários mais
elevados que o salário mínimo atual – mas que querem evitar a concorrência de empresas
e desempregados que valorizam o salário mínimo atual.
Por outro lado,
registam-se também algumas propostas positivas na moção. Desde logo, o
recálculo do défice estrutural, provavelmente ainda enviesado em desfavor da
componente cíclica, dado o baixo nivel de inflação atual. Além disso, a moção
sublinha o papel importante das medidas ativas de emprego, na linha do que tem
sido a política do Governo, apesar de algumas críticas pontuais (como à
generosidade dos estagios, entretanto já revista) e algum desconhecimento em
relação ao programa Vida Ativa, que tem envolvido em formação profissional
cerca de meio milhão de portugueses desempregados por ano.
Por último, sublinha-se a
perspetiva positiva da moção em relação às reformas da legislação laboral do
Governo, ao referir que estas aproximaram Portugal da média da OCDE e permitem
um maior combate à dualidade no mercado de trabalho, nomeadamente aos falsos
“recibos verdes”. Por outras palavras, aproximando-se o contrato sem termo do
enquadramento legal típico dos outros países, passa a ser possível um combate
mais intenso a situações abusivas como as falsas prestações de serviços.
Tratam-se de reformas da
legislação laboral feitas num contexto de grande consenso, resultante do
memorando de entendimento negociado pelo anterior Governo, um acordo tripartido
e a abstenção do PS no parlamento, e que desempenharam um papel relevante na
recuperação económica dos últimos 18 meses. Ainda assim, importa assinalar a
sua consagração no enquadramento legal nacional, como resulta do texto desta
moção, representante do extremo à esquerda do “arco da governação”. Lamenta-se,
no entanto, que esta perspetiva mais equilibrada da moção quanto à legislação
laboral ou às medidas ativas de emprego não seja acompanhada em outros temas
tão importantes, como são os casos do salário mínimo ou da contratação coletiva
bem como a perspetiva sobre o contexto macro endógeno que provocou ao
envolvimento de Portugal na crise das dívidas soberanas. Erros todos cometemos
– mas é fundamental não os repetir.