4.11.13
Representatividade na contratação colectiva: um ano depois
Imagine o leitor que é responsável por uma pequena ou média empresa. Imagine
que as condições de trabalho dos seus colaboradores (salários mínimos por
categoria profissional, diuturnidades, remuneração do trabalho suplementar,
dias de férias, prémios de assiduidade, requisitos em termos de formação
profissional, etc) não são determinadas nem por si nem pelos seus trabalhadores
nem são sequer as que resultam do Código do Trabalho. Imagine que essas
condições são na verdade estabelecidas pelas maiores empresas do seu setor e
por sindicatos em que estão afiliados apenas uma pequena e não representativa percentagem
dos trabalhadores, em geral aqueles com contratos permanentes e níveis de
antiguidade mais elevados.
Não é difícil
perceber que uma situação como esta vai promover condições de trabalho que
serão dificilmente comportáveis para muitas empresas, nomeadamente para aquelas
que enfrentam dificuldades nos seus mercados. Nessa medida, acarreta prejuízos ao
nível da manutenção do emprego, além de dificultar seriamente a criação de
oportunidades para aqueles que querem entrar ou reentrar no mercado de
trabalho. Este efeito é ainda agravado pela rigidez das condições e pelo
contexto de inflação baixa dos últimos anos, ao atrasar o ajustamento em
períodos de crise como o atual. Além disso, também sai afectada o nível de
concorrência no sector, prejudicando os consumidores.
Embora todo este
enquadramento lhe possa parecer estranho e desligado de mecanismos básicos de
uma economia de mercado, era esta a situação que vigorou em Portugal durante
algumas décadas até muito recentemente. Através de um procedimento administrativo
denominado portarias de extensão, os contratos coletivos de trabalho acordados
entre as associações de empregadores e os sindicatos de cada setor eram quase
sempre alargados pelo Governo a todas as empresas e todos os trabalhadores
desse mesmo setor, forçando-os a seguir essas condições de trabalho
independentemente da efectiva capacidade dessas empresas de o fazer.
Obviamente que a
ilegalização de condições mínimas diferentes das dos contratos coletivos ia ao
encontro dos interesses das grandes empresas, uma vez que minimizava a
capacidade concorrencial das pequenas empresas. Por outro lado, os efeitos
negativos no emprego derivados de condições incomportáveis para as pequenas
empresas não preocupavam os sindicatos, uma vez que os seus membros já tinham
empregos permanentes protegidos tanto em termos da legislação laboral como da
segurança social, como resulta de qualquer comparação internacional.
Desde julho de 2011,
com a suspensão da emissão de portarias de extensão, e desde 1 de novembro de
2012, com a entrada em vigor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 90/2012,
que estabelece critérios necessários de representatividade das associações
patronais para a emissão destas portarias, que o arcaico sistema descrito em
cima já não se aplica. De acordo com este novo enquadramento, resultante do
memorando de entendimento e em convergência com os procedimentos adotados por
outros países, só convenções coletivas subscritas por associações patronais
cujas empresas afiliadas representem pelo menos metade dos trabalhadores do
setor podem ser alargadas a todo esse mesmo setor.
Os resultados destes
novos requisitos, que vigoram há precisamente um ano, já são claros,
nomeadamente ao nível da descentralização da negociação coletiva. Por exemplo,
enquanto que, em 2010, 39% das convenções coletivas eram de nível da empresa, essa
percentagem subiu já para 58% em 2012, em detrimento das convenções sectoriais
tipicamente alargadas até 2011. Apesar da redução da dinâmica da contratação
coletiva, comum em períodos de recessão, as convenções ao nível da empresa
mostram muito maior resistência. Mais importante ainda é constatar que a taxa
de desemprego, apesar de ainda muito elevada, tem vindo a reduzir-se
sistematicamente nos últimos meses, chegando este Setembro a uma situação de
quebra homóloga.
Até os próprios
parceiros sociais parecem já reconhecer a mais-valia desta reforma estrutural,
condição possivelmente necessária para a sua sustentabilidade no período pós-troika.
Por exemplo, a CCP, antes grande opositora dos critérios de representatividade,
já veio a público defender uma maior limitação das convenções coletivas,
nomeadamente no âmbito temporal; até a própria UGT sublinhou o papel positivo do
novo enquadramento jurídico na promoção da representatividade das associações
patronais e sindicais junto das empresas e dos trabalhadores.
(Publicado no Diário Económico de hoje)