28.9.07

 
Excerto de entrevista de Ricardo Reis (Princeton) ao Diario Economico

A legislação laboral portuguesa é assim tão diferente da norte-americana? Aquilo que vemos nos filmes, do tipo ‘estás despedido, arruma o caixote’ é real? O ministro das Finanças dizia que não tinha uma visão ‘hollywodesca’ do despedimento…
Não, não corresponde à realidade. Podem ser despedidas assim pagando uma indemnização, não muito, cerca de dois meses. A não ser que o contrato de trabalho tenha alguma cláusula rescisão. Acontece muito pouco.

Em Portugal devia ser assim [como nos EUA]?
Estamos a falar de extremos. Os Estados Unidos têm um mercado extremamente flexível e Portugal tem um mercado extremamente rígido. Concordo com as declarações do ministro das Finanças na entrevista [ao Diário Económico, dia 1 de Agosto]. Mas é muito fácil deitar abaixo uma reforma da legislação laboral apontando para o extremo. Entre um extremo e outro há muito caminho a percorrer, muitos estádios intermédios. Em Portugal pode-se liberalizar muito o mercado laboral sem chegar ao extremo ‘hollywoodesco’. Mas muitas das resistências à reforma do mercado laboral são justificáveis.

Justificáveis porquê?
Têm toda a razão os sindicatos e os socialistas quando dizem que uma flexibilização do mercado laboral vai levar a que o patrão possa explorar o trabalhador. Porque é preciso também uma flexibilização do mercado dos produtos. Se a PT tem posição significativa no mercado de telecomunicações, quando se liberaliza o mercado de trabalho como os técnicos da área só podem trabalhar ali, de facto a empresa pode maltratá-los. O receio das pessoas não é irracional. Na prática, quando se queixam, estão a reflectir o facto de o mercado dos produtos não estar liberalizado. E caso se liberalize muito o mercado de trabalho e não o dos produtos vai cair-se numa situação em que uma série de trabalhadores podem ser explorados. Porque o mecanismo que me diz que o trabalhador não é explorado, que é a possibilidade de ir trabalhar para outra empresa, não está operacional. A liberalização do mercado de trabalho tem de se fazer com mais concorrência no mercado dos produtos. Neste momento alguns estão liberalizados, como o mercado dos media. Nestes sectores as pessoas apoiam a liberalização, podem mudar de emprego. Mas quando olhamos para muitos sectores de serviços em Portugal, onde há empresas muito protegidas, percebo o receio. A liberalização do mercado de trabalho pode ser demasiado apressada se não for acompanhada pela liberalização efectiva do mercado dos produtos.

É preciso mais concorrência no mercado em geral?
Exactamente. Na União Europeia, a maior parte dos bens foi liberalizada, mas o mercado de serviços continua a ser altamente balcanizado por influência de governos que querem campeões nacionais. Seja no cimento, na energia ou nas telecomunicações. Compreendo que os trabalhadores desses sectores perguntem: ‘porque liberalizar o mercado de trabalho se não existe no o mesmo nos produtos, nesse caso ficaremos reféns’. Mas os economistas e algumas pessoas são também responsáveis porque defendem a liberalização do mercado de trabalho e não são tão expressivos a defender a concorrência nos mercados dos produtos e serviços.

E porque não são tão expressivos a defender a liberalização dos outros mercados?
Não sei. O que defendo é a liberalização do mercado de trabalho mas com mais concorrência no mercado de bens e serviços. E acompanhado com uma rede social.

Com a sua visão do exterior, vê os portugueses deprimidos?
Não vejo os portugueses com a esperança que encontro nos americanos. Parte disso tem a ver com a rigidez do mercado e trabalho e a forma como os jovens são tratados. Eu e os meus colegas [professores] vemos que um jovem quer nos Estados Unidos quer em Inglaterra está cheio de esperança, vai ganhar o mundo, está mais actualizado que as pessoas mais velhas… Pode chegar depois aos 35 anos e tornar-se um cínico. Mas está a procurar uma casa, a viver com o namorado ou a namorada, a arranjar um emprego… E arranja trabalho e pode não gostar e vai para outro… Chego a Portugal e vejo as pessoas aos 25 e 26 anos altamente deprimidas, acabaram os cursos, estão há dois anos à procura de emprego, moram com os pais, não têm dinheiro sequer para beber um café, têm de pedir a mesada aos pais…

É razão para se estar deprimido.
Exactamente. Não conseguem arranjar uma casa porque não há mercado de arrendamento, não conseguem arranjar emprego porque está tudo fechado. E a responsabilidade disso é da rigidez dos mercados de trabalho e de produtos. A rigidez nos mercados de trabalho surge exactamente para proteger quem já tem emprego à custa dos mais jovens. Para além dos efeitos económicos, o grande custo da rigidez laboral, é criar uma geração de pessoas cínicas e deprimidas, os jovens que ficam em casa dos pais e não conseguem arranjar emprego e trabalham com recibos verdes. E este custo, a mudança de mentalidade e a depressão, não está em nenhum modelo económico. É a única coisa que me preocupa

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