6.3.07
As reformas de Jeb Bush e o contraste com Portugal
Independentemente do que se pense das políticas do irmão George, Jeb Bush parece ter desenvolvido um trabalho importante na reforma do sistema educativo da Florida, estado que governou durante oito anos. Na sua conferência na Gulbenkian na semana passada, Jeb Bush enunciou vários princípios que merecem ser tido em conta, nomeadamente em contraste (ou não) à situação portuguesa actual:
1-Discutir as propostas de reforma durante as eleições: Ganha-se legitimidade adicional na condução das políticas, uma vez que elas foram sufragadas pelo eleitorado. Em Portugal, por outro lado, todas as reformas que têm sido implementadas nos últimos dois anos constituiram uma completa surpresa junto não só da população em geral como dos próprios professores.
2-Comunicar/discutir com frequência as características das reformas e os seus resultados junto da população: É importante dar a conhecer as características das reformas do ponto de vista de quem as está a implementar (alguns chamariam a isto "spinning") e, sobretudo, apresentar resultados objectivos sobre as consequências dessas mesmas reformas. Em Portugal, tem sido frequente (embora com várias excepções) a não divulgação do conteúdo das reformas até elas começarem a ser postas em prática. A actual discussão da regulamentação do Estatuto da Carreira Docente entre o Ministério da Educação e os sindicatos é um exemplo importante. Vão surgindo ocasionalmente nos media indicações sobre o conteúdo do documento, nomeadamente sobre as "cedências" do Ministério em relação aos critérios de medição da assiduidade dos professores para efeitos de passagem ao nível de "professor titular", mas o documento no seu todo não está disponível.
3-Medir os resultados dos alunos, para avaliar a evolução da reforma e ajustá-la ("If you don't measure, you don't care"). Aqui há um desenvolvimento importante e positivo em Portugal, em que foi finalmente decidido reintroduzir provas de aferição em alguns níveis de escolaridade (4º e 6º anos), a português e a matemática (ver despacho). Além disso, está previsto que os resultados destas provas sejam comunicados às escolas (incluindo indicações da posição relativa de cada aluno em termos "nacionais, regionais e de escola"). Estas últimas deverão criar um relatório de avaliação e um programa de acção cujo cumprimento será analisado pelas direcções-regionais de educação.
Sendo indubitavelmente um passo no sentido de maior transparência e informação no ainda muito opaco sistema educativo português, há pelo dois ou três aspectos que merecem reparo:
-ignora-se a falta de incentivos por parte dos alunos para que a prestação destes reflicta com algum rigor as suas aprendizagens - por outras palavras, tanto quanto é possível perceber dos textos disponíveis, os resultados destas provas de aferição "não contam para a nota";
-o aspecto dos incentivos também está ausente quando se determina que as escolas devem avaliar os resultados e pôr em acção eventuais planos correctivos: e o que acontece se as escolas não o fizerem?
-o texto do despacho é completamente omisso em relação à possibilidade de os dados das provas de aferição serem sujeitos a uma análise aprofundada por parte do Ministério, quando é provavelmente este último que estará em melhores condições para aprender com esses resultados e pôr políticas correctivas em funcionamento; por outras palavras, por muita informação que uma escola tenha em relação à posição relativa dos seus alunos em relação aos níveis nacionais ou regionais, sem poder relacionar essas diferenças com outras diferenças em termos de características dos professores, das condições materiais da escola e do seu meio envolvente, etc, etc, uma escola terá sempre muitas dificuldades em actuar de maneira construtiva a partir da informação das provas de aferição.
PS-Antes da apresentação do ex-governador da Florida, houve uma intervenção da parte do coordenador do Plano Tecnológico, Carlos Zorrinho. A sucessão de clichés e banalidades sobre globalização e educação (além das inevitáveis referências ao grande crescimento de "empresas na hora") neste discurso foi de tal ordem, que uma pessoa poderá começar a interrogar-se se afinal há alguma substância por detrás de todas as iniciativas deste Plano. Preocupante.
Independentemente do que se pense das políticas do irmão George, Jeb Bush parece ter desenvolvido um trabalho importante na reforma do sistema educativo da Florida, estado que governou durante oito anos. Na sua conferência na Gulbenkian na semana passada, Jeb Bush enunciou vários princípios que merecem ser tido em conta, nomeadamente em contraste (ou não) à situação portuguesa actual:
1-Discutir as propostas de reforma durante as eleições: Ganha-se legitimidade adicional na condução das políticas, uma vez que elas foram sufragadas pelo eleitorado. Em Portugal, por outro lado, todas as reformas que têm sido implementadas nos últimos dois anos constituiram uma completa surpresa junto não só da população em geral como dos próprios professores.
2-Comunicar/discutir com frequência as características das reformas e os seus resultados junto da população: É importante dar a conhecer as características das reformas do ponto de vista de quem as está a implementar (alguns chamariam a isto "spinning") e, sobretudo, apresentar resultados objectivos sobre as consequências dessas mesmas reformas. Em Portugal, tem sido frequente (embora com várias excepções) a não divulgação do conteúdo das reformas até elas começarem a ser postas em prática. A actual discussão da regulamentação do Estatuto da Carreira Docente entre o Ministério da Educação e os sindicatos é um exemplo importante. Vão surgindo ocasionalmente nos media indicações sobre o conteúdo do documento, nomeadamente sobre as "cedências" do Ministério em relação aos critérios de medição da assiduidade dos professores para efeitos de passagem ao nível de "professor titular", mas o documento no seu todo não está disponível.
3-Medir os resultados dos alunos, para avaliar a evolução da reforma e ajustá-la ("If you don't measure, you don't care"). Aqui há um desenvolvimento importante e positivo em Portugal, em que foi finalmente decidido reintroduzir provas de aferição em alguns níveis de escolaridade (4º e 6º anos), a português e a matemática (ver despacho). Além disso, está previsto que os resultados destas provas sejam comunicados às escolas (incluindo indicações da posição relativa de cada aluno em termos "nacionais, regionais e de escola"). Estas últimas deverão criar um relatório de avaliação e um programa de acção cujo cumprimento será analisado pelas direcções-regionais de educação.
Sendo indubitavelmente um passo no sentido de maior transparência e informação no ainda muito opaco sistema educativo português, há pelo dois ou três aspectos que merecem reparo:
-ignora-se a falta de incentivos por parte dos alunos para que a prestação destes reflicta com algum rigor as suas aprendizagens - por outras palavras, tanto quanto é possível perceber dos textos disponíveis, os resultados destas provas de aferição "não contam para a nota";
-o aspecto dos incentivos também está ausente quando se determina que as escolas devem avaliar os resultados e pôr em acção eventuais planos correctivos: e o que acontece se as escolas não o fizerem?
-o texto do despacho é completamente omisso em relação à possibilidade de os dados das provas de aferição serem sujeitos a uma análise aprofundada por parte do Ministério, quando é provavelmente este último que estará em melhores condições para aprender com esses resultados e pôr políticas correctivas em funcionamento; por outras palavras, por muita informação que uma escola tenha em relação à posição relativa dos seus alunos em relação aos níveis nacionais ou regionais, sem poder relacionar essas diferenças com outras diferenças em termos de características dos professores, das condições materiais da escola e do seu meio envolvente, etc, etc, uma escola terá sempre muitas dificuldades em actuar de maneira construtiva a partir da informação das provas de aferição.
PS-Antes da apresentação do ex-governador da Florida, houve uma intervenção da parte do coordenador do Plano Tecnológico, Carlos Zorrinho. A sucessão de clichés e banalidades sobre globalização e educação (além das inevitáveis referências ao grande crescimento de "empresas na hora") neste discurso foi de tal ordem, que uma pessoa poderá começar a interrogar-se se afinal há alguma substância por detrás de todas as iniciativas deste Plano. Preocupante.