21.4.15
Quatro casamentos e um funeral: Sobre as propostas do PS para o emprego
Parabéns ao PS por ter criado um grupo de trabalho alargado para elaborar um cenário económico e propostas de governação. Apesar de o relatório tentar ignorar o fracasso da governação de Sócrates, é um bom exemplo de envolvimento de especialistas no debate político que importa promover em Portugal.
Quanto às medidas propostas para o emprego, quatro são interessantes – mas uma poderá ser desastrosa.
Os “casamentos”:
1.
Um crédito fiscal para trabalhadores com salários baixos. Pode constituir um incentivo importante à formalização do trabalho,
além de promover a criação de emprego e uma distribuição mais equilibrada do
rendimento. Por outro lado, pode criar “armadilhas de pobreza” se reduzir os
incentivos para a obtenção de melhores empregos (porque eventuais acréscimos salariais
reduzem o valor do crédito fiscal).
2.
A redução da TSU até 4pp para empregadores e até 4pp para trabalhadores, financiado por redução das reformas futuras desses trabalhadores. É
uma medida de grande alcance em termos de proteção do emprego e de redução do
desemprego, dada a sensibilidade destes em relação aos custos salariais (apesar
do relatório indicar paradoxalmente que os salários são muito flexíveis em Portugal). No
entanto, a medida pode chocar frontalmente com a natureza do sistema de segurança social, em que
as contribuições dos ativos servem para pagar as prestações dos inativos, em
particular as suas reformas.
3.
A duplicação da despesa em medidas ativas de emprego e formação para os
desempregados, num aumento de 0,45% do PIB, financiado
por fundos comunitários. Sou grande defensor das medidas ativas de emprego e penso que há
potencial para as incrementar (apesar das críticas do PS ao alargamento
significativo do número de estágios e à introdução de novos apoios à
contratação desenvolvidos por este Governo). Importa, no entanto, avaliar muito
melhor o impacto das medidas de forma a assegurar que o aumento do investimento
nesta área traz bons retornos para o país. Uma área com maior potencial neste contexto será,
muito provavelmente, o acompanhamento dos desempregados em termos de aconselhamento e monitorização
da procura ativa de emprego.
4.
A diferenciação da TSU das empresas de acordo com as suas práticas de
rotação de trabalhadores (de forma a que empresas
cujos trabalhadores acedem mais regularmente ao subsídio de desemprego paguem
mais). É uma medida que, à partida, pode introduzir mais equidade no mercado de
trabalho, fazendo as empresas pensar duas vezes antes de despedir (embora também
contratar). Por outro lado, pode acabar por distorcer
negativamente o mercado de trabalho, ao reduzir a TSU de empresas com rendas
económicas – e salários e niveis de retenção elevados – em desfavor de empresas
jovens, com quadros de pessoal necessariamente em desenvolvimento e ainda sem
capacidade económica de pagar salários mais competitivos.
O “funeral”:
A quase
eliminação do contrato de trabalho a termo em contrapartida de um novo contrato
de trabalho permanente. Embora motivada por um
objetivo importante – reduzir a precariedade e segmentação no mercado de
trabalho – esta medida teria consequências muito negativas no emprego. Os
contratos a termo (e os contratos de trabalho temporario) tem várias outras utilizações importantíssimas além da
substituição temporária de trabalhadores (a única situação que seria admissível),
como o trabalho sazonal, o lançamento de novos projetos empresariais, ou a
contratação de desempregados. Dada a perspetiva anacrónica do Tribunal
Constitucional em relação ao despedimento individual de contratos permanentes – reafirmada no seu
acordão de 2013 sobre a reforma laboral de 2012 – o contrato a
termo oferece a importante garantia que todas as oportunidades de criação de emprego podem
efetivamente dar lugar à contratação de trabalhadores. Por outras palavras, que
um empregador não se irá inibir de contratar por não querer correr o risco de
não poder despedir no futuro, ainda mais numa situação económica como a atual, ainda
envolta em alguma incerteza.
Por outro lado, o novo contrato permanente que
se propõe não se distingue significativamente daquele que já existe, para além
de prever compensações mais elevadas. Na verdade, o despedimento descrito na proposta, para
este “novo” contrato, equivale ao despedimento por extinção do posto de
trabalho – precisamente a figura que foi alargada na reforma de 2012 e que o TC
considerou inconstitucional. Receio que esta medida provocasse um verdadeiro
funeral na ainda não muito sólida recuperação do emprego no país, privando muitos desempregados de oportunidades de voltar a trabalhar.
1.4.15
Não há duas sem três? Sobre a evolução recente do desemprego
Porque é que o desemprego não só parou de
descer como estará outra vez a aumentar? De acordo com o INE e o Eurostat, a
taxa de desemprego caiu de um máximo de 17,5% em janeiro de 2013 para 13,4% em
setembro de 2014. A partir de outubro, o desemprego aumentou gradualmente, até
atingir 14,1% em fevereiro (14,3% para as mulheres).
A taxa de desemprego dos jovens também tem
seguido um percurso semelhante: caiu de um máximo de 40,7% (fevereiro de 2013)
até 32,8% (setembro de 2014). Também
aqui a partir de outubro, o desempregado tem aumentado - cerca de meio ponto
percentual por mês -, chegando aos 35% em fevereiro (38,3% para as mulheres).
Numa primeira análise surpreende esta
evolução. Como pode estar o desemprego a aumentar precisamente agora que a
economia está a acelerar, precisamente agora que há mais confiança entre empresários
e consumidores?
Duas explicações merecem atenção: o aumento do
salário mínimo em outubro e o regresso das portarias de extensão em meados do
ano passado.
Tanto uma como a outra ocorrem temporalmente quando
se dá o fim da tendência de queda do desemprego. Tanto uma como a outra incidem
em particular sobre os grupos mais vulneráveis – jovens e mulheres – cujo desemprego
mais aumentou. Tanto uma como a outra tem sido alvo de repetidos avisos por
parte das instituições internacionais que financiaram o resgate de 2011 e que acompanham
de perto a economia portuguesa desde essa altura.
A redução do desemprego concerteza depende do
crescimento económico, do investimento, da inovação, das exportações, dos
impostos, da formação contínua, e da educação. Mas depende também da política
de emprego, incluindo o salário mínimo e o envolvimento do Estado na
contratação coletiva. Depende anda das decisões de empregar ou não empregar por
parte de milhares de empresas, muitas delas pequenas e longe do interesse
mediático, que enfrentam ainda dificuldades várias.
No caso concreto de Portugal em 2014, os
efeitos negativos do aumento do salário mínimo e das portarias de extensão são
óbvios. Havendo tantos desempregados que não conseguem emprego durante meses e
meses de procura, aumentar o salário mínimo (e alargar a contratação coletiva) só pode dificultar-lhes ainda mais o
regresso ao trabalho. Ainda mais quando o salário mínimo já estava num dos
valores mais elevados de sempre e a inflação em torno do zero.
No entanto, poucos referiram o contrassenso e
a demagogia do aumento do salário mínimo em público. Pelo contrário, alguns
comentadores influentes até decidiram ridicularizar as críticas da Comissão
Europeia e do FMI...
O Governo anterior errou quando aumentou o
salário mínimo durante um período de crise, entre 2008 e 2011. Este Governo – que
eu não deixo de apoiar – também errou quando aumentou o salário mínimo
demasiado cedo, antes de o mercado de trabalho completar a sua recuperação.
Espero que o próximo Governo não volte a cometer estes erros, a bem do aumento tão desejado do emprego em Portugal.