18.3.15
Os cursos profissionais e de aprendizagem como opção de valor
(A minha intervenção na conferência da EPIS, "Educação 2020: Agenda para uma legislatura", realizada ontem)
Estando Portugal
a cerca de seis meses de eleições legislativas, este é um momento oportuno para
que a sociedade, em geral, e a academia, em particular, proponha e discuta contributos , nomeadamente na área da educação, para os programas eleitorais dos
diferentes partidos políticos.
Dadas as apertadas
restrições orçamentais conhecidas - e que não deverão desaparecer tão cedo - serão relevantes propostas específicas
e concretas e que, sobretudo, possam melhorar
os resultados do sistema escolar utilizando o mesmo ou eventualmente até um
menor volume de recursos. Propostas com estas características terão maior aplicabilidade,
nomeadamente no quadro de agendas reformistas que se pretendam pragmáticas e
esclarecidas.
Gostaria aqui de
deixar algumas sugestões que preenchessem estes requisitos de concretização e
de eficiência, desde já focando-me numa área específica do sistema de educação
e formação: o ensino secundário. É um
ciclo que me interessa particularmente, na medida em que com o recente
alargamento da escolaridade obrigatória, tornou-se no principal ponto de
transição para o mercado de trabalho, área que acompanho de perto há muitos
anos.
Gostaria ainda de
enquadrar as minhas propostas em torno de duas grandes prioridades para o
trabalho governativo da próxima legislatura, qualquer que sejam as forças políticas
com essa responsabilidade. Em primeiro lugar, a prioridade do aumento da produtividade da economia.
Em segundo lugar, a prioridade do combate
ao desemprego, incluindo obviamente o desemprego jovem.
São objetivos
incontornáveis para a melhoria sustentável
da qualidade de vida e para a promoção
da coesão social no país. Por exemplo, permitindo responder às legítimas aspirações
dos pais em relação às perspetivas de emprego dos filhos. Ou permitindo aos
jovens a expectativa credível de sair da escola diretamente para um emprego
estável e relativamente bem remunerado.
Produtividade e
desemprego são também indicadores em que Portugal tem ainda um importante caminho
a percorrer no sentido da aproximação dos padrões europeus, apesar dos
desenvolvimentos positivos recentes. Como é sabido, a produtividade portuguesa corresponde
atualmente a apenas ligeiramente mais de metade da média dos 28 países da União
Europeia (53%). Mesmo a taxa de desemprego em Portugal continua cerca de 3,5
pontos percentuais acima da média europeia, apesar da sua redução acentuada
desde 2013.
Neste contexto, a
proposta que apresento é que os cursos
profissionais e de aprendizagem - os cursos de nível secundário mais
direcionados ao mercado de trabalho - são
uma importante "opção de valor" que importa continuar a desenvolver
na próxima legislatura.
A título de
enquadramento do tema, será útil comparar a situação portuguesa recente em
termos internacionais usando alguns indicadores da OCDE para 2013. Por exemplo,
considerando a percentagem de alunos nestes cursos não estritamente académicos entre
todos os alunos a frequentar o ensino secundário, Portugal - com 44% - ocupa
uma posição semelhante à da média da OCDE. No entanto, este indicador é ainda significativamente
inferior à média de um subconjunto de 21 países europeus de referência - 50%.
Em todo o caso, onde
se encontram diferenças mais pronunciadas é ao nível do peso dos cursos de aprendizagem. Estes cursos, de
dupla certificação - escolar e profissional - diferenciam-se dos cursos
profissionais pelo seu maior destaque aos conteúdos práticos e ao facto de
decorrerem tanto na escola ou no centro de formação como na própria empresa. Existem
em Portugal desde 1984, tendo sido dinamizados na altura por várias empresas
estrangeiras a operar no país.
De acordo com a
OCDE e entre os 17 países com dados disponíveis, Portugal têm a quarta menor percentagem de alunos do ensino secundário
a frequentar cursos de aprendizagem. Isto apesar do crescimento
significativo destes cursos nos últimos anos, em cerca de 50% entre 2011 e
2013.
Note-se também
que estes cursos adquirem uma expressão particularmente forte em países reconhecidos
pelos seus níveis de produtividade elevados e taxas de desemprego reduzidas,
como a Alemanha, a Áustria, a Suíça ou a Dinamarca, correspondendo a mais de
30% ou mesmo mais de 40% dos alunos a frequentar o ensino secundário. Esta
relação, embora não necessariamente de causa-efeito, ilustra em todo o caso o
potencial dos cursos de aprendizagem.
Não sendo
possível - provavelmente nem desejável - transportar ou transplantar modelos de
educação entre países, importa compreender as razões para o seu relativo sucesso
em determinados países com vista a beneficiar dos seus aspetos positivos. Um primeiro
determinante, enfatizado em vários estudos, prende-se com o envolvimento próximo ou mesmo determinante das empresas na seleção
das áreas e conteúdos de educação e formação em cada território.
Este envolvimento
cria um sistema flexível, que acompanha as mudanças constantes tanto nas áreas de
formação como nos próprios conteúdos específicos dos programas de acordo com a
evolução das necessidades das empresas. Este mecanismo de envolvimento ou mesmo
liderança por parte dos futuros empregadores assegura um grande potencial em termos de emprego e remunerações junto dos alunos
destes cursos. Problemas de desajuste entre as competências procuradas
pelas empresas e as competências oferecidas pelos diplomados saem
inevitavelmente minimizados. O mesmo se aplica a situações de desatualização
dos conteúdos dos programas.
Obviamente que o sucesso deste modelo depende muito do
interesse por parte das empresas e das suas associações no investimento nas
qualificações dos seus trabalhadores - mesmo daqueles trabalhadores que ainda
não contrataram. Penso que a este nível há razões para otimismo em Portugal, dada
a capacidade demonstrada pelas empresas em geral em ultrapassar as dificuldades
dos últimos anos, inclusivé através do sucesso nos exigentes mercados
internacionais. Hoje já haverá não só mais empresas a apostar na qualificação
dos seus trabalhadores como também mais empresas interessadas nos cursos
profissionais e de aprendizagem, até em termos de definição dos seus conteúdos.
Em todo o caso,
note-se que pelo menos 46 mil empresas empregavam
trabalhadores jovens com cursos profissionais e de aprendizagem em 2012, de
acordo com estatísticas do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança
Social referentes a esse ano. São empresas com uma dimensão média também
apreciável, de cerca de 32 trabalhadores, bastante acima da média nacional de apenas
9 trabalhadores.
Um parentêse para
referir que outra abordagem possível pode passar pelo alargamento de uma
iniciativa recente no âmbito do novo quadro comunitário, Portugal 2020. Nesta
iniciativa, o Governo propõe-se fazer variar
o financiamento comunitário e do orçamento de Estado à formação
profissional em função da avaliação entretanto
feita da empregabilidade dos cursos de cada entidade formadora. Esta
metodologia - que me parece muito apropriada - pode também ser alargada a
outras entidades beneficiárias de financiamento comunitário, incluindo escolas
e centros de formação responsáveis por cursos profissionais e de aprendizagem.
Refira-se também que
este eventual processo de reforço dos
cursos profissionais e de aprendizagem, no sentido dos modelos da Alemanha
ou da Áustria, com as devidas adaptações,
não acontece de um momento para o outro. Em alguns dos países que referi, o
sistema de cursos de aprendizagem foi sendo consolidado ao longo de várias
décadas. Em Portugal, será seguramente
um trabalho para pelo menos uma legislatura. Em todo o caso, é claro o
interesse para as empresas, para os jovens e para a sociedade em geral em
evoluirmos, gradualmente, para um modelo cujos conteúdos formativos possam
beneficiar de maior envolvimento por parte do setor empresarial.
Por último,
gostaria de referir uma segunda razão importante para o sucesso dos cursos
profissionais e de aprendizagem: as vantagens
em termos de sucesso escolar e inclusão social de ofertas formativas que incluem
tanto o ensino tradicional em escola como a formação na empresa.
Esta segunda
componente corresponde à sua dimensão dual,
em termos do reconhecimento e desenvolvimento complementaridade entre o
conhecimento teórico e o conhecimento prático. Este último é desenvolvido
através da chamada "formação
prática em contexto de trabalho" ou estágios. Nos cursos de
aprendizagem corresponde em geral a uma carga letiva crescente ao longo da
duração do curso, de um a três dias por semana. Trata-se de um aspeto da maior importância
no contexto da crescente diversidade de perfis de alunos a frequentar o ensino
secundário, dado o alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos.
Podem aqui surgir
questões sobre a adequação do perfil das
empresas para colaborar nesta formação em escala significativa em Portugal.
Note-se que estas dúvidas são, felizmente, cada vez menos relevantes, por exemplo
dado o crescimento do ensino superior das últimas décadas. A título de ilustração,
mais de 12,000 empresas tinham ao seu
serviço em 2012 pelo menos cinco licenciados, de acordo com as estatísticas
do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social. Mais de 80,000
empresas tinham ao seu serviço pelo menos um licenciado nesse ano.
Empresas com
estas características - além de muitas outras, com perfis diferentes - poderão
ter boas condições para colaborar com as entidades públicas ao nível da
formação prática em contexto de trabalho proporcionada no âmbito dos cursos de aprendizagem,
assegurando a muitos jovens uma complementaridade motivadora entre o teórico e
o prático. Além disso, estas empresas poderão ver nesta colaboração uma forma de qualificar e selecionar futuros
colaboradores, promovendo entradas diretas num contrato de trabalho permanente
dos seus aprendizes. Evitam-se assim períodos intermédios de desemprego, além de
se assegurar a redução da rotação dos seus colaboradores e assegurando elevados
níveis de desempenho e produtividade.
Em conclusão, esta
nova estrutura de cursos profissionais e cursos de aprendizagem, juntamente com
os cursos científico-humanistas, pode representar um contributo de valor elevado a vários níveis. Para os jovens, tanto em
termos de sucesso na escola como em termos de sucesso no mercado de trabalho.
Para as empresas, favorecendo níveis mais elevados de desempenho como também
promovendo a inclusão social nas suas regiões. Em conjunto, fazendo crescer a produtividade e o emprego de Portugal.